Crônicas do cotidiano familiar, Crônicas gastrointestinais, Crônicas vividas

Crônica junina

Junho no Brasil, por tradição.
Fogueiras de São João, estampidos de bombinhas, muita comida, correria e brincadeira de criança.
E um velho ditado: “criança que brinca com fogo faz xixi na cama”.

Junho no Brasil, 2019.
Fogueiras de inquisição, estampidos de fuzil, pouca comida, passos lentos e brincadeiras de mau gosto.
E um novo ditado: “adulto que brinca com fogo faz xixi no Twitter”.

Crônicas do cotidiano familiar, Diálogos mais que prováveis, Dilemas modernos, Personagens

Em uma passeata

– A Dê e o Rô se conheceram numa passeata, cê acredita?

– Nossa, mas que coisa mais…

– Clichê, né?

– Não. Por que clichê? Eu achei superoriginal.

– Ah, vá! Moço de direita conhece garota de esquerda em passeata, eles tretam, mas acabam ficando juntos. Parece enredo de novela. Ou de comédia romântica americana.

– Ah, não sei, eu achei bacana, nunca imaginei. Mas peraí, como foi isso? O que eles tavam fazendo na mesma passeata? Eles não vivem brigando por causa de política? A Dê é supercoxinha, e o Rô, todo engajado…

– Por isso que eles tretaram, daí o clichê. Mas é o contrário.

– ??

– Sim, o Rô é que é o coxinha, de direita, liberal e tal. A Dê é de esquerda, defende os pobres, índios, ciclovia e coisa e tal.

– Mas o Rô é que é ciclista, e a Dê mete o pau no PT. Agora você tá me deixando confusa.

– Não, esquece a ciclovia. O exemplo foi ruim. O Rô é que usa, a Dê só elogia. E nesse ponto eles concordam, mas, de resto, eles têm posições políticas opostas. A Dê critica o governo e o PT, porque ela acha que eles não são de esquerda.

– Mas como assim? Eles são comunistas!

– Segundo a Dê, eles não defendem os trabalhadores, os direitos humanos nem o meio ambiente. E, pra piorar, isso tudo segundo ela, adotaram um modelo neoliberal na economia, aumentaram os juros…

– Mas isso não é o Rô que fala?

– Ele concorda com algumas coisas, especialmente com as críticas ao aumento de determinados impostos, mas ele defende, parcialmente, segundo ele, as medidas econômicas.

– Então, eu sempre pensei que ele fosse petista.

– Não, imagina. Ele defende o ministro da fazenda, os ajustes, diz que o Levy está fazendo o possível, mas ele é supercrítico. Ele já me explicou o que ele faria, caso fosse ministro da fazenda. O Rô se considera liberal.

– Então, ele é liberal. A Dê não. Ela é mais conservadora.

– Não, não é isso. Melhor: pede para eles explicarem. Aí você vai entender. E é muito divertido, porque a Dê também tem um projeto de governo para caso ela seja ministra. Se você pedir ela te conta direitinho, didaticamente. Esclarece até as diferenças entre o dela e o do Rô.

– E qual você prefere?

– Olha, eu não sei dizer. Só sei que eles não podem fazer parte do mesmo governo.

– Bom, isso eu já sabia. Mas conta mais: como foi o encontro deles, na tal passeata?

– Putz, foi muito engraçado!