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Das portas abertas

Às vezes a gente faz um esforço enorme para não fechar uma porta. Geralmente quando queremos que alguém entre. Normalmente é uma pessoa que já entrou, saiu e não voltou mais. Como esperamos que ela volte, não desejamos que, justo no dia em que ela voltar, a porta esteja fechada. E daí ela não volte nunca mais.

Ou mesmo que ela passe perto, do outro lado da rua, ou tope com um vizinho, pergunte de você e saiba que a sua porta está sempre fechada.

Então você deixa a porta aberta.

Só que manter uma porta aberta não é tão simples quanto parece. Primeiro, você tem que colocar um calço para a porta não ficar batendo. Ninguém quer ter uma porta balançando como a de um saloon. Ou então que ela receba um vento muito forte e estoure a fechadura, o batente ou simplesmente feche sozinha.

Além disso, o vento entra e traz sujeira. É preciso limpar tudo o dobro de vezes quando a porta está aberta. O triplo, porque, além de exposto às intempéries, o interior está disponível ao olhar dos curiosos.

Esse provavelmente é o mais difícil de manter uma porta aberta. Você tem que cuidar ao máximo para parecer que tudo está muito bem lá dentro, senão ninguém vai querer entrar mesmo. Tudo limpo, asseado, brilhante, alegre, sadio e sorridente.

Só que ninguém entra. Sobra uma porta aberta. E cada vez menos interessante pra quem olha de fora. O que era limpeza agora mais parece um vazio. O que era cuidado virou mania. O olhar sorridente mais espanta que atrai. Agora, um sorriso amarelo enfeitado por um olhar cheio de autopiedade.

Como se esperasse apenas que alguém tivesse a honestidade de dizer: “fecha essa porcaria, ninguém vai entrar”. Ninguém diz. Ninguém disse. Ninguém diria. Manter uma porta aberta exige muito esforço. As pessoas respeitam. Mas ninguém entra.

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O que faço, senhor tempo?

O que faço, senhor, com todo o tempo perdido que encontrei?

Sobra-me tempo, e falta-me todo o resto.

Antes eu padecia do mal oposto. Tinha tudo e em excesso. Vontade, coragem, brilho, inspiração. Ó quanta inspiração! Mas não tinha um mísero segundo para dar ao mundo o meu melhor.

Agora, contudo, tudo que tenho é tempo, e tudo o mais me abandonou. Escapou-me pelos dedos, como uma perversa ampulheta invertida, que se enchia à medida do meu esvaziamento.

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Boas práticas

Não importa quando você comece. Pra ser bom em algo, é preciso fazer todo dia. Praticar.
Por mais que eu não seja jovem, se eu me dedicar diariamente e com afinco a uma atividade, seja tocar guitarra, escrever, nadar ou dançar flamenco, em alguns anos eu tenho a chance de executá-la com alguma proficiência.
Acho que eu vou escolher o amor.
Se eu cuidar de amar de verdade, todo dia, as pessoas que eu já amo, mas amo mal, talvez em alguns anos, quem sabe até antes, eu as esteja amando melhor.
Mas é preciso correr, porque o tempo é pouco e o amor é muito.