Crônicas agridoces, Crônicas do cotidiano delirante, Crônicas gastrointestinais, Diálogos improváveis

O pedido

– O que o senhor vai querer?

– Um x-búrguer, uma Coca zero e uma batata.

– Batata normal ou xexelenta?

– Qual é a diferença?

– A normal é normal. A xexelenta vem fria e murcha.

– Hmmm…

– A xexelenta é mais cara.

– Então eu vou querer a normal.

(…)

– Moça, meu pedido veio errado. Essa batata não é normal!

– É, sim. Você não conhece a nossa batata xexelenta.

 

 

 

Epílogo

– Porra, Uéslei, você mandou a batata errada de novo. O cliente queria a normal.

– E ele pagou pela xexelenta?

– Eu disse que era normal e cobrei o preço menor. Se o cliente voltar e quiser a xexelenta, cê vai ter que inventar alguma coisa diferente.

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A bike e o mérito

– Quando eu era criança, bicicleta era um puta presente.

– Eu também sou dessa época. Hoje a molecada nem tchum pra bike, né?

– Nem. Eles querem celular, iPad, esses videogames caros pra caramba…

– Verdade.

– Meu pai dava a bicicleta pra gente aos poucos: num aniversário, a gente ganhava um pneu; no Dia das Crianças, o outro; no Natal, o quadro…

– Pra valorizar, né?

– Isso! A gente tinha que merecer. Ele acompanhava nossas notas na escola, o comportamento, se a gente ajudava em casa… Se chegasse em casa com bilhetinho da professora um dia, no aniversário seguinte o par de breque virava uma pastilha; se fosse pneu, ganhava só a câmara.

– Que interessante. E é um exercício de imaginação também.

– Imaginação nada! A gente ganhava as peças mesmo, de verdade. E depois tinha que levar na bicicletaria pra montar. Isso se tivesse boa nota pra pagar. Minha bike não era tamagoshi, não. Tive que conquistar peça por peça. E cuidar bem delas, pra tá tudo inteiro quando fosse montar.

– Isso que eu ia perguntar: o que vocês faziam com as peças nesse meio tempo?

– Bom, eu deixava as minhas bem guardadinhas no armário. Até abria, tirava da caixa para admirar, mas só. Agora meu irmão do meio, que era o mais bagunceiro, vivia estragando as dele.

– E seu pai deixava?

– Fazia parte do aprendizado. Tem que merecer ganhar e saber cuidar das coisas. Era o que o meu pai, e minha mãe também, diziam pra gente. Se um de nós quisesse levar o pneu pra brincar na represa, por exemplo, ou jogar que nem frisbee na praia, a única coisa que eles falavam era: “leva, mas, se a roda enferrujar, você só ganha outra no Natal, ou vai andar de bicicleta enferrujada”.

– Que interessante!

– Cansei de ver meus dois irmãos brincando de cavalinho com o quadro na terra, ou fazendo chicote com o breque. O pedal virava nave de Playmobil.

– Sorte que antigamente os produtos eram feitos para durar.

– É, mas meu irmão do meio, aquele que eu te falei que era o mais fia-da-puta, só conseguiu montar a bike dele com quase 18 anos, quando já fazia autoescola pra tirar carta de carro e moto.

– Olha só.

– Mas aprendeu tudo sobre meritocracia!